A invenção da adolescência
O triunfo espetacular de As melhores coisas do mundo, de Laís Bodanzky, no Festival de Recife, lança uma forte luz sobre o que parece ser um novo filão do cinema brasileiro: os filmes de adolescentes. Mais precisamente: filmes sobre adolescentes, ou ambientados entre eles.
Outros dois novíssimos longas-metragens abordam esse universo movediço e fascinante: Sonhos roubados, de Sandra Werneck, atualmente em cartaz, e Antes que o mundo acabe, de Ana Luiza Azevedo, que estreia no próximo dia 14. Curiosamente, os três são dirigidos por mulheres.
Mas de que adolescência se fala nesses filmes?
O ambiente social e geográfico de cada um deles é completamente diferente dos outros. As melhores coisas do mundo se passa entre alunos de uma escola de classe média paulistana; Sonhos roubados, em meio a meninas de uma periferia pobre do Rio; Antes que o mundo acabe, numa cidadezinha do Rio Grande do Sul.
O que é a adolescência?
Cotejar esses três filmes talvez seja interessante para averiguar o que há de substrato comum entre experiências de vida tão diversas nesse período tortuoso de passagem da infância à idade adulta. Em outras palavras: existe uma adolescência, assim em abstrato, para além das situações sociais e históricas concretas? Em que consiste ela?
Já vou avisando que não farei esse cotejo aqui e agora, por falta de espaço e de estofo, e por não ter visto ainda o filme de Sandra Werneck.
Gostei bastante dos dois que vi por considerar que suas diretoras tiveram inteligência e sensibilidade para captar justamente as turbulências emocionais dessa fase da vida (que tem muito de "idade das trevas") conjugando o que há de universal e de particular no comportamento e no imaginário dos personagens retratados.
Os sentimentos de rejeição ou de inadequação, as dificuldades de entendimento com os pais, os amores não correspondidos, a insegurança quanto às próprias potencialidades, a angústia diante do futuro, a necessidade de auto-afirmação... Alguns temas parecem aproximar os dois filmes. Mas cada um deles está atento às referências específicas que conformam a experiência de vida e as expectativas de suas jovens criaturas.
Dos garotos e garotas ultra-urbanos de As melhores coisas do mundo, filhos de intelectuais e profissionais liberais, saturados de informação e de códigos globais de comportamento, aos garotos (e garota) de Antes que o mundo acabe, que têm um modo de vida bucólico, quase rural, e só se comunicam com o resto do planeta por meio da internet, há uma distância enorme.
São como primos distantes, mas em todos eles pulsa aquela energia vital tão intensa que, não raro, faz uma fronteira tênue com a morte. É essa intensidade, essa perigosa aproximação ao coração selvagem da vida, que marca a adolescência, ou pelo menos a imagem da adolescência forjada pelo cinema americano (e pelo rock) desde os anos 50.
Quando ia começar a rodar seu Vidas sem rumo (Outsiders, 1983), Francis Coppola reuniu sua equipe e disse: "Este é um filme sobre o crepúsculo". E explicou: a adolescência é como esse momento em que o sol atinge sua maior beleza - e logo em seguida desaparece. É ao mesmo tempo intensa e fugaz: intensa por ser fugaz, fugaz por ser intensa.
Cada uma à sua maneira, Laís Bodanzky e Ana Luiza Azevedo buscaram captar esse crepúsculo sem perder de vista o skyline específico em que ele se dá: os caóticos prédios paulistanos ou as montanhas gaúchas.
E aqui vai, como aperitivo, o trailer do belo Antes que o mundo acabe. Depois que o filme estrear, volto a falar sobre ele aqui e talvez também na Ilustrada.
Blog do Zé Geraldo Couto
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