Leia esta ótima crítica escrita por Christian Peterman para o
Colunas e Notas.Os Adolescentes Mostram a Cara
Estreia finalmente em São Paulo “Antes que o Mundo Acabe”, um dos melhores filmes brasileiros do anoO ano de 2010 entrará pros anais brasileiros como aquele que consagrou o sub-filão dos filmes de temática espírita e também recuperou o jovem nas telonas. Nunca antes na história de nosso cinema houve tanta produção voltada especificamente para o espectador jovem. Já assistimos, por exemplo, ao simpático “As Melhores Coisas do Mundo”, que infelizmente ficou muito aquém de seu potencial e estacionou em cerca de míseros 280 mil espectadores; o intelectualizado “Os Famosos e os Duendes da Morte”; o pesado e fetichista “Sonhos Roubados”; em festival (Paulínia) se viu o pop “Desenrola”, ainda sem data de estreia; sabe-se do “Capitães de Areia”, de Camila Amado, e da nova produção de Gustavo Spolidoro no Rio Grande do Sul. A essa lista soma-se agora o gaúcho “Antes que o Mundo Acabe”, de Ana Luiza Azevedo, curta-metragista e produtora veterana da Casa de Cinema de Porto Alegre (leia-se Jorge Furtado & turma), aqui estreando na direção de longa.
O filme foi lançado em junho primeiro no Rio Grande do Sul e Santa Catarina e agora chega a São Paulo e Curitiba. Por aqui, está em pré-estreia com uma sessão diária há duas semanas. Seria fantástico se estas exibições gerassem um considerável boca a boca suficiente para o filme já estrear com certo alarde. Afinal de contas, esta auspiciosa estreia de Ana Luiza, premiada no 2º Festival de Paulínia (2009) com o prêmio da crítica e os troféus de direção, fotografia, direção de arte, figurino e música, é um dos melhores filmes brasileiros de 2009/2010 e um delicioso longa para espectadores jovens de todas as idades. Há muito que não assisto a um filme nosso com sorriso na cara de ponta a ponta. O set de filmagens deve ter sido harmonioso, talvez até mágico, pois tudo funciona muito bem na fita.
Numa pequena cidade do interior gaúcho, o adolescente Daniel (Pedro Tergolina) vive seu ritual de passagem: ele enfrenta as dúvidas da namorada, Mim (Bianca Menti), que não sabe direito o que quer; seu melhor amigo, Lucas (Eduardo Cardoso), é acusado de roubo no colégio católico em que estudam e começa a se interessar por sua namorada; Daniel faz planos para sair daquele mundinho, chegar ao menos a Porto Alegre; e seu pai biológico (Eduardo Moreira), que não conhece, começa a mandar cartas de Tailândia... A história é narrada em off com muito bom humor e delicioso ponto de vista infantil pela irmã mais nova de Daniel, Maria Clara (Caroline Guedes). O mundo adulto, coadjuvante aqui, é representado principalmente pelo pai de Daniel, por sua mãe (a veterana gaúcha Janaína Kremer), seu padrasto (Murilo Grossi, atualmente na novela global das seis) e o padre e diretor do colégio (não consegui resgatar o nome do ator, nem no site oficial...).
O roteiro, que Ana Luiza dividiu com inestimáveis colaborações dos amigos e parceiros Jorge Furtado e Giba Assis Brasil (que também assina a montagem) e do roteirista ‘Globo Filmes’ Paulo Halm, versa em torno de dramas banais, e é encantadora a ligeireza e sinceridade com que trata de questões simples do cotidiano de um garoto distante dos grandes centros. Assim como defendeu Laís Bodanzky, diretora de “As Melhores Coisas do Mundo”, Ana Luiza também acredita que a adolescência é um clichê que se repete, com dúvidas e valores universais e muitas vezes atemporais.
E seu filme transmite, com certa inocência, mas nenhum ingenuidade, os conflitos da primeira transa, do processo de autoconhecimento, da descoberta do mundo.
Conectados na Internet, mas nem aí pro que dita a moda.
O trio de atores jovens foi bem escolhido: os três esbanjam carisma, espontaneidade e química na interação. Isto ajuda, e muito, o filme a atingir seu alto grau de empatia. Tem agilidade e leveza que o tornam palatável ao espectador jovem, mas também nostalgia e poesia para seduzir os mais maduros. Os diálogos são divertidos e compreensíveis, mesmo se bastante regionais, e há várias cenas saborosas, como a ida dos três de ônibus a POA, ‘comendo vento’ pela janela.
É claro que a trilha sonora tem papel decisivo no alto astral e na luminosidade da obra. Foi assinada por Leo Henkin, veterano trilheiro do sul que já trabalhou para inúmeros curtas e documentários, além de filmes de Furtado (é muito boa em especial a trilha que produziu para “Houve Uma Vez Dois Verões”, uma coletânea de jovens grupos de rock sulista). A trilha incidental levanta e segura o pique ágil e redondo da fita, e o clima nostálgico da obra se perpetua na regravação do hit oitentista do grupo Metrô ‘Beat Acelerado’, com arranjo de Henkin e voz de Luiza Caspary. A canção corresponde à adrenalina adolescente e ao ânimo revigorado que o filme provoca no espectador.
Afinal, é um filme jovem, bem realizado e que alegra a alma!